Solidariedade anti-despejo: Pela Alcina e a sua família

Isto não é um crowdfunding. É um ato de solidariedade e resistência. É uma campanha pelo fim de todos os despejos sem alternativa habitacional e soluções dignas para quem foi despejado/a.

Mais um Despejo 

A história da família da Alcina culminou em mais um despejo.  Após anos de luta e espera, o Carlos, a Alcina e o José, o pai de 89 anos, em cadeira de rodas, foram despejados juntamente com os seus dois cães, o Snoopy e a Nina. Não têm alternativa habitacional. O despejo sem alternativa é um ato violento e desumano – produz insegurança, produz trauma, produz pessoas sem-abrigo, produz desigualdade. Quem vê um despejo a acontecer,(e nós já vimos muitos) nunca mais esquece o que viu. É uma destituição impiedosa daquilo que chamamos e defendemos, nas ruas e no dia-a-dia, como “o direito à habitação”. Um despejo nunca acaba no dia do despejo. É nesse dia que começa, para a pessoa despejada, um longo exílio: forçado a separar-se da “sua” casa, das suas coisas, das suas redes e até de pessoas com quem coabitava, torna-se uma pessoa estranha no lugar ao qual, por vezes durante muitos anos, e ainda ontem, pertenceu.

A vizinha Maria e: Este crowdfunding não é solução

Este crowdfunding começa com a Maria e o seu ato espontâneo de solidariedade. Ao ver, incredulamente, que os seus vizinhos iam ficar na rua sem qualquer alternativa habitacional digna, sem nenhuma resposta ou solução adequada das instituições, adiantou dinheiro, do seu salário, para pagar temporariamente um Alojamento Local, onde a família pudesse ficar, nessa noite e seguintes. Um T2, com: 1) acessibilidade para cadeira de rodas do José Manuel, 2) espaço para a Alcina continuar junto do pai (de quem é cuidadora) e do marido, o Carlos, 3) não ser forçada a abandonar os seus animais de companhia; 4) cozinha, para poder continuar a preparar refeições 5) proximidade dos sítios onde trabalha a Alcina e dos serviços de saúde de que necessitam tanto o Carlos, que é doente oncológico, como o José.

O objetivo financeiro do crowdfunding é restituir o dinheiro que a Maria adiantou (e do qual necessita), fazendo aquilo que achou dignificante, acreditando no poder da solidariedade e nesta luta coletiva de resistência ao despejo. Este caso particular não é único, mas o poder do gesto solidário (e um tanto desesperado) da Maria é levar-nos a refletir sobre o que podemos fazer coletivamente para impedir que continuem a acontecer despejos como este. 

A solução para este despejo não é “fazer uma vaquinha” para continuar a pagar este Alojamento Local. Este alojamento temporário vai acabar no sábado, 4 de novembro, e nesse dia voltaremos a confrontar-nos com a questão: a família da Alcina foi despejada e não tem para onde ir. 

Disclaimer: houve ou não soluções? 

As instituições públicas dizem que a família rejeitou todas as soluções que lhes foram apresentadas. Mas, não houve soluções, houve “soluções fake”: um abrigo da proteção civil por 2 meses em Chelas com apenas um quarto e com uma casa de banho onde não entrava uma cadeira de rodas;  uma noite em sítios separados, o Carlos e a Alcina numa pensão na Amadora, e  um centro de noite para o Pai idoso. Zero soluções para os cães. . Quando falamos de alternativas, achamos que devem respeitar a dignidade das pessoas: respeitar o facto da Alcina ser cuidadora. Respeitar a vontade de uma família ficar junta. Respeitar as necessidades básicas das pessoas e, especialmente, de uma pessoa idosa em cadeira de rodas. Respeitar o trabalho  e as redes de proximidade das pessoas. A Alcina e o Carlos não querem abandonar o pai num lar, nem os seus animais na rua. E é justo que não sejam obrigados a isso. 

Os outros despejos

Esta é uma campanha pela Alcina e a sua família, mas também  por tantos outro/as que conhecemos: Ivânia, Dayse, Maria e Ananilze cujas casas foram destruídas no Talude em março de 2023 e que ainda moram em pensões, separadas dos filhos mais velhos e sem espaço para cozinhar para os seus bebés. Pela Nazaré, há 4 anos num abrigo “temporário” da proteção civil no Castelo a partilhar casa com outra família que foi colocada lá sem o seu consentimento. 

Estas pessoas não são “culpadas” e não devem ser castigadas. Foram vítimas do mercado imobiliário, da crise económica, do desenvolvimento urbano ao serviço de interesses financeiros e não podemos permitir que sejam despejadas e fiquem com as suas vidas paradas e esquecidas.

Se nada fizermos, podemos esperar que o número de despejos continua a crescer cada dia, cada hora. Foram 1412 os requerimentos de procedimento especial de despejo que deram entrada no Balcão Nacional de Arrendamento entre janeiro e junho deste ano. Em quatro anos, segundo o Expresso, o número de sem abrigo cresceu 78%. São 10.773 pessoas a viver na rua face aos 6044 de 2018. 

A luta pelo fim dos despejos e pelo direito à habitação

A Alcina e o Carlos são uma das razões pelas quais saímos massivamente à rua nos dias 1 de Abril e 30 de Setembro. Para que não sejam colocadas pessoas nas ruas e só depois se improvisem “soluções”.  Para não deixar ninguém ficar para trás. Para não deixar ninguém abandonado à sua sorte. Para que não sejam colocadas pessoas nas ruas e só depois se improvisem “soluções”. Queremos soluções dignas e acordadas com as pessoas despejadas! Como foi dito no lema da luta no 2º Torrão, e repetido no bairro do Jamaica: «Sem chave, não saio!»  

Há soluções verdadeiras. Há soluções dignas, mesmo na emergência. A solidariedade da vizinha da Alcina mostra que existem casas dignas, que  poderiam estar imediatamente disponíveis e deveriam ser usadas para a sua função social, que é habitar, em vez de serem usadas para alojamento temporário de turistas ou nómadas digitais.  As 20.000 casas no mercado do AL são casas a menos disponíveis para Habitação. E há casas suficientes em Lisboa para serem habitadas: 48.000 casas vazias, 2.000 da CML.

O que podemos fazer? 

>> Exigir o fim dos despejos e soluções dignas para os despejados
Queremos demonstrar que é possível agirmos e pressionar o poder para que encontre soluções. E queremos demonstrar que a solidariedade é um arma poderosa e que podemos construir alternativas de forma autónoma.

>> Contribuir para a campanha, é por aqui: ppl.pt/causas/pararosdespejosja

Deixe um comentário